sexta-feira, 20 de julho de 2012

CABIMENTO DO DANO MORAL COLETIVO NOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

A problemática emerge ao se perquirir sobre o cabimento de reparação por dano moral coletivo na seara da lesão a direitos individuais homogêneos. Isso porque tais direitos, descritos no art. 81 da Lei nº 8.078/90, inciso III, como direitos ou interesses transindividuais ou metaindividuais, de origem comum, são, em essência, direitos individuais puros. Eles foram inseridos neste título para facilitar a efetividade de sua tutela, em âmbito processual. Ou seja, esses direitos individuais, puros, uma vez violados, poderão ser propostos diretamente por seus titulares por meio de ações atomizadas (reclamatórias individuais), bem como de ações moleculares (ações civis coletivas) – neste caso, desde que por um dos legitimados. Para Teori Albino Zavascki [1], os interesses individuais homogêneos possuem as seguintes características: a) relevância e conotação sociais; b) possibilidade de serem constatados indiciariamente pela potencialidade do dano (possibilidade de expansão da lesão a outras pessoas); c) são tutelados por entes legitimados; d) possibilidade de dispersão ou elevado número de titulares; e) suscetibilidade de serem tutelados por uma ação coletiva. Portanto, nada obsta a um trabalhador que se sinta lesado em direitos materiais e morais ajuizar uma ação reclamatória na Justiça do Trabalho postulando tais reparações em face do empregador. Da mesma forma, o microssistema de tutela coletiva faculta aos legitimados do art. 82 da Lei 8.078/90 e do art. 5º da Lei nº 7.347/85 a propositura de tais direitos individuais homogêneos da categoria, por meio de ação civil coletiva. É cediço que grupos de trabalhadores poderão propor ações plúrimas, como multitudinárias na Justiça do Trabalho, pleiteando direitos individuais homogêneos, bem como eventual dano moral individual. Neste caso, todos figurarão no polo ativo da demanda, e a destinação dos valores contemplados a qualquer título se fará aos próprios postulantes. Há autores, como Fernanda Orsi Baltrunas Doretto, que se posiciona pela tese da não admissibilidade da reparação de dano moral coletivo na seara dos direitos individuais homogêneos, ao destacar que : “Só se vê cabimento na reparação dos danos morais coletivos em caso de violação de direitos difusos ou coletivos stricto sensu, já que, como demonstrado, os interesses individuais homogêneos não correspondem propriamente a interesses coletivos, mas sim a direitos que são exercidos de maneira coletiva, resultando em reparações individuais para cada um dos envolvidos” [2]. Ousamos divergir do entendimento acima esposado e nos filiamos à tese do cabimento do dano moral coletivo na seara dos direitos individuais homogêneos, na órbita do Direito Coletivo do Trabalho, a partir do momento em que a lesão a interesses individuais homogêneos dos trabalhadores ultrapassa a órbita de sua individualidade, isto é, transcende o aspecto individual para atingir o patrimônio moral de uma coletividade, apresentando reflexos coletivos ou mesmo difusos [3] de interesse geral. Esta análise, entretanto, também deverá ser feita considerando-se a natureza objetiva do ilícito, ou seja, basta o descumprimento de normas de ordem pública relacionadas a bens jurídicos de alta dignidade e relevância para que se configure a necessidade da efetiva reparação do dano moral coletivo, com fundamento na responsabilidade objetiva do empregador, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Ainda podemos dizer que, se o dano moral coletivo é de natureza objetiva e não subjetiva, para sua configuração basta a ocorrência, no plano fático, de ato ilícito grave perpetrado pela empresa, não se indagando, do lado empresarial, sobre sua culpabilidade ou, do lado empregatício, se houve qualquer tipo de humilhação ou outro sentimento, visto que, se ocorridos, configurarão meros efeitos ou consequências. É nesse sentido recente decisão da lavra do Colendo Tribunal Superior do Trabalho (TST), no RR – 12400-59.2006.5.24.0061, cujo extrato transcrevemos a seguir: "[...] O Tribunal sul-mato-grossense deu provimento ao recurso quanto à obrigação de a Alumtek não mais utilizar a Justiça do Trabalho como órgão homologatório de rescisão contratual mediante lide simulada, sob pena de multa. Mas entendeu que não houve dano moral coletivo, porque se tratava de direitos individuais homogêneos, já que foram poucos (apenas cinco os ex-empregados da empresa incentivados a intentarem ação trabalhista para recebimento das parcelas rescisórias), os quais “poderiam buscar os meios legais disponíveis para satisfação individualmente”, não representando, portanto, interesse coletivo. O MPT recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho buscando a reforma da decisão quanto ao dano moral coletivo. O Ministro Walmir de Oliveira da Costa, relator do processo no TST, divergiu do entendimento regional ao dizer que o fato de serem direitos individuais homogêneos não impede a caracterização do dano moral coletivo e a gravidade da ilicitude dá ensejo à indenização por dano moral coletivo, pois atinge o patrimônio moral da coletividade. Em seu voto, Walmir Oliveira da Costa ressaltou que a simulação de lides perante a Justiça do Trabalho, com objetivo exclusivo de quitar verbas rescisórias, afronta as disposições do art. 477 da CLT. Mais: que a conduta, além de lesar a dignidade do trabalhador individualmente, atenta, em última análise, contra a dignidade da própria justiça, mancha a credibilidade do Poder Judiciário e atinge toda a sociedade. O valor da indenização será revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT." [4]
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coleta de direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 287-288.
2. DORETTO, Fernanda Orsi Baltrunas. Dano moral coletivo. Tese (Doutorado) – Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008. p. 207. A autora sedimenta seu entendimento em posição doutrinária de DANTAS, Adriano Mesquita. A proteção dos direitos metaindividuais trabalhistas: considerações sobre a aplicabilidade da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor ao processo do trabalho. Destaca o autor: “[...] o novo enfoque dado à responsabilidade civil, na medida em que a condenação genérica (art. 95 do Código de Defesa do Consumidor) impõe ao réu a obrigação de indenizar os danos e prejuízos causados e não os sofridos. Isto quer dizer que, uma vez procedentes os pedidos formulados na ação coletiva, é fixada a responsabilidade genérica do réu pelos danos e prejuízos decorrentes de sua conduta, cabendo aos lesados apenas a liquidação dos respectivos danos e a posterior execução. Isto facilita sobremaneira a reparação, na medida em que na liquidação e execução não se discute mais a responsabilidade do réu pelos danos.” (grifo do autor).
3. Em relação a futuros potenciais empregados que poderão ser contratados pela empresa e, dessa forma, atingidos supervenientemente pela lesão a tais direitos.
4. Notícias do Tribunal Superior do Trabalho.
(*) Este artigo é da autoria de ENOQUE RIBEIRO DOS SANTOS, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da UNESP (Franca), Doutor e Livre Docente em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Foi Procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho e, atualmente, é Desembargador Federal do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região (email: enoque-ribeiro@uol.com.br).

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