É princípio geral de direito que
quem causa dano a outrem deve indenizar. Ao ser transportado para a lei, esse
princípio sofre regramento técnico pelo legislador, que traça modelos de
conduta e estabelece sanções para a sua inobservância, no caso, a indenização. Na
estrutura das normas legais que regulam a responsabilidade civil, ora a culpa
se faz presente como parte integrante da conduta lesiva, ora ela é dispensada
para que o comportamento do agente resulte a obrigação de indenizar. A título
de exemplo, comparem-se as previsões dos artigos 932 e 951 do Código Civil. Por
essa razão, fala-se em responsabilidade subjetiva para identificar a obrigação
de indenizar inspirada na ideia de culpa e em responsabilidade objetiva para assinalar
aquela apoiada na teoria do risco, que dispensa a existência desse elemento
subjetivo. Tradicionalmente,
somente se proclama a responsabilidade civil quando o sujeito atuar
culposamente e causar prejuízo a outrem mediante ato ilícito, tal qual previsto
no artigo 186 e na primeira parte do artigo 927 do Código Civil. Entretanto, há mais de um século a doutrina percebeu que esse mecanismo clássico de responsabilização já não era mais suficiente para solucionar
adequadamente novos casos que reclamavam indenização, especialmente aqueles deflagrados a partir da transformação dos meios de produção, pois a prova da culpa muitas vezes constituía sério obstáculo para a justa reparação dos lesados. É nesse ambiente que surge a “doutrina
objetiva”, que encontrou novos métodos para determinar a responsabilidade civil
do agente, através de um processo hermenêutico que foi se desvencilhando gradativamente
daqueles limites restritivos impostos pela concepção tradicional da
responsabilidade civil. O primeiro processo técnico criado para superar as
dificuldades geradas pelo modelo tradicional foi o da “culpa presumida”, que
representou uma ponte para alcançar posteriormente a responsabilidade objetiva.
Como observa RUI STOCO
(2.001, p. 108): “A culpa presumida trata-se de solução transacional ou escala
intermediária, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da
responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de degradação como
elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração
da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para
as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado.” A distinção entre a
concepção tradicional da responsabilidade civil e o mecanismo da culpa
presumida é o “ônus da prova”. Na teoria clássica, a culpa do agente deve ser
demonstrada pelo lesado, juntamente com os demais pressupostos indicados pelo artigo
186 e pela primeira parte do artigo 927 do Código Civil (conduta lesiva, nexo
causal e dano). Na culpa presumida, opera-se a inversão do ônus da prova, incumbindo
ao agente demonstrar uma “causa excludente da responsabilidade” para afastar a
obrigação de reparar o prejuízo, a exemplo de caso fortuito ou força maior. Como
resultado da evolução da responsabilidade civil, nasce no século XIX a teoria
da responsabilidade sem culpa, que se convencionou chamar de “teoria do risco”.
Com a aplicação dela, afasta-se a verificação da culpa do agente para obrigá-lo
a indenizar e sequer existe a necessidade de investigar a ilicitude do
comportamento dele, bastando a simples existência da conduta causadora do dano.
É com muita propriedade que MARIA HELENA DINIZ (2.002, p. 11) lembra o
fundamento da teoria da responsabilidade sem culpa, ao assinalar que: “Ela
representa uma
objetivação da responsabilidade, sob a ideia de que todo risco deve ser
garantido, visando a proteção jurídica da pessoa humana, em particular dos
trabalhadores e vítimas de acidentes, contra a insegurança material. A noção de
risco prescinde da prova da culpa do lesante, contentando-se com a simples
causação externa, bastando a prova de que o evento decorreu do exercício da
atividade para que o prejuízo por ela criado seja indenizado. Baseia-se no
princípio ‘ubi emolumentum ibi ius’, isto é, a pessoa que se aproveitar dos
riscos ocasionados deverá arcar com suas consequências.” Acolhendo a teoria do
risco para as situações em que ela se mostra necessária, mas sem afastar a
culpa como fundamento da responsabilidade patrimonial, o Código Civil
disciplinou casos de responsabilidade objetiva em vários dispositivos, em uma franca
demonstração de que ambas as teorias não se excluem, antes se completam. A título
de exemplo, a parte superior do artigo 927 prevê a obrigação de reparar o dano
quando alguém praticá-lo culposamente mediante ato ilícito, ao passo que o
parágrafo único estabelece que haverá responsabilidade, independentemente de culpa,
nas hipóteses em que a lei especificar ou quando a atividade normalmente
exercida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem. Logo, não é difícil concluir que a responsabilidade civil objetiva
pode derivar de previsão contida em norma objetiva ou do risco potencial
provocado por determinadas atividades humanas.
_________________
1) MACIEL, Daniel Baggio. Responsabilidade civil subjetiva e objetiva. Araçatuba:
Página Eletrônica Isto é Direito. Maio de 2014.
2) DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil.
16a ed. v. VII. São Paulo: Saraiva, 2002.
3) STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
4) Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.
5) Art. 927.
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
6) Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores
que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador,
pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis,
hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo
para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente
houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
7) Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
7) Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
2 comentários:
Muito bom
Texto Maravilhoso, linguagem muito boa! Obrigada!
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