segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

A REMESSA NECESSÁRIA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Inserido no capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, o artigo 496 do novo Código disciplina o instituto denominado "remessa necessária", também chamado "reexame de ofício" pela literatura e cuja origem está associada ao direito lusitano, que o instituiu no ano de 1.355 para coibir excessos praticados por magistrados em processos penais. Após sua recepção pelas ordenações portuguesas, a remessa necessária foi prevista inicialmente pela Lei nº 4 de 1.931, que impôs ao juiz a incumbência de apelar das sentenças que emitisse contra a Fazenda Pública (art. 90). O Código de 1.939 a denominou "apelação necessária" e obrigou sua incidência sobre a sentença que declarasse a nulidade do casamento, que homologasse o desquite amigável e para aquela que fosse desfavorável à União, Estado ou Município (art. 822). O Decreto-lei nº 779/69 deferiu-lhe o rótulo de "recurso ordinário ex officio" e determinou sua aplicação às sentenças trabalhistas contrárias à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, assim também às respectivas autarquias e fundações que não explorassem atividade econômica (art. 1º, inc. V). Acertadamente, o Código de 1.973 deixou de considerá-la um recurso e passou a tratá-la como uma condição de eficácia da sentença desfavorável à Fazenda Pública, vale dizer, como uma espécie de requisito indispensável para o cumprimento da sentença contrária às pessoas jurídicas que participam desse gênero. A propósito, a primeira parte do artigo 496 do Código de 2.015 estabelece que está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. Com essa previsão, o artigo 496 impõe ao juiz o dever de remeter os autos do processo ao tribunal competente quando sentenciar em desfavor da Fazenda Pública, a fim de que seu pronunciamento seja revisado e, se for o caso, confirmado pelo órgão judicial do segundo grau de jurisdição, sem o que o julgado não poderá ser cumprido. Porque obrigatória, não sujeita a contraditório e desvinculada dos pressupostos de admissibilidade dos recursos, a remessa necessária não está compreendida no capítulo que o Código dedica a eles e continua a ser tratada como uma condição de eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública. Ademais, diferentemente dos recursos, ela não está vinculada ao apontamento de qualquer vício na sentença e é impulsionada mediante um mero despacho com que o juiz ordena o encaminhamento dos autos ao tribunal, após decidir eventuais embargos de declaração e oportunizar o contraditório na apelação porventura interposta por algum legitimado. Contudo, se o juiz omitir, retardar ou recusar a remessa dos autos nos casos previstos no artigo 496, o presidente do respectivo tribunal deverá avocá-los, o que fará de ofício ou assim que recepcionar a petição intermediária com que a parte, o assistente, o "custos legis" ou mesmo o terceiro prejudicado noticiar-lhe o fato (art. 496, § 1º). Aliás, o exercício desse poder não afasta a responsabilidade civil do magistrado que proceder com dolo ou fraude, assim também na hipótese de culpa pela recusa, omissão ou retardamento, caso em que sua responsabilidade apenas será verificada depois que o legitimado postular a mencionada remessa e o requerimento não for apreciado no prazo de dez dias (art. 143). Seja como for, a remessa necessária não tem qualquer relação de dependência com a apelação manejável por aquele que experimentar algum prejuízo jurídico decorrente da sentença, além do que ambas podem coexistir normalmente, o que obrigará o tribunal a decidi-las na mesma sessão de julgamento. Embora a primeira parte do artigo 496 imponha a revisão obrigatória da sentença contrária à Fazenda Pública, nos parágrafos 3º e 4º estão relacionadas várias situações em que ela é dispensada para que o julgado possa ser efetivado. Com efeito, o § 3º desobriga a remessa oficial quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e inferior a mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público, assim também para os Municípios que constituam capitais dos Estados; cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. Abandonando completamente o critério econômico empregado no § 3º, o § 4º também repudia a remessa oficial quando a sentença estiver fundada em súmula de tribunal superior; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. Examinadas essas previsões normativas, resta acrescentar que o artigo 496 não é o único dispositivo que impõe ao juiz o dever de submeter sua sentença à revisão pelo tribunal do segundo grau de jurisdição. Igual obrigatoriedade também existe para a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação popular (Lei nº 4.717/65, art. 19), que julgar procedente o pedido no mandado de segurança (Lei nº 12.016/2009, art. 14, § 1º), que for contrária ao requerente do cancelamento de matrícula e registro de imóvel rural vinculado a título nulo de pleno direito (Lei nº 6.739/79, art. 3º, parágrafo único), que condenar o Poder Público em ação visando ao reconhecimento de direito dos funcionários dos serviços administrativos das câmaras do Congresso Nacional ou dos Tribunais Federais (Lei nº 2.664/55, art. 1º, § 2º), que for proferida nos casos estabelecidos nos artigos 3º e 4º da Lei nº 818/49 (que regula aquisição, a perda e a requisição de nacionalidade, bem como a perda dos direitos políticos), assim também para a sentença cautelar emitida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou reclassificação funcional (Lei nº 8.437.92, art. 3º). Por último, convém realçar que não existe a remessa necessária nos processos da competência do Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001, art. 13) e do Juizado Especial da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009, art. 27), assim também que o relator do recurso tem poder para decidi-la monocraticamente nos casos previstos pelos incisos IV e V do artigo 945 (Súmula 253 do STJ) e que, ao julgá-la, é vedado ao tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, entendimento esse consagrado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça na vigência do Código de 1.973, mas que deve ser mantido sob a égide do Código de 2.015.
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MACIEL, Daniel Baggio. A remessa necessária no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

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