Inserido no capítulo que trata da
sentença e da coisa julgada, o artigo 496 do novo Código disciplina o instituto
denominado "remessa necessária", também chamado "reexame de
ofício" pela literatura e cuja origem está associada ao direito lusitano,
que o instituiu no ano de 1.355 para coibir excessos praticados por magistrados
em processos penais. Após sua recepção pelas ordenações portuguesas, a remessa
necessária foi prevista inicialmente pela Lei nº 4 de 1.931, que impôs ao juiz
a incumbência de apelar das sentenças que emitisse contra a Fazenda Pública
(art. 90). O Código de 1.939 a denominou "apelação necessária" e
obrigou sua incidência sobre a sentença que declarasse a nulidade do casamento,
que homologasse o desquite amigável e para aquela que fosse desfavorável à
União, Estado ou Município (art. 822). O Decreto-lei nº 779/69 deferiu-lhe o
rótulo de "recurso ordinário ex officio" e determinou sua aplicação
às sentenças trabalhistas contrárias à União, aos Estados, ao Distrito Federal,
aos Municípios, assim também às respectivas autarquias e fundações que não
explorassem atividade econômica (art. 1º, inc. V). Acertadamente, o Código de
1.973 deixou de considerá-la um recurso e passou a tratá-la como uma condição
de eficácia da sentença desfavorável à Fazenda Pública, vale dizer, como uma
espécie de requisito indispensável para o cumprimento da sentença contrária às
pessoas jurídicas que participam desse gênero. A propósito, a primeira parte do
artigo 496 do Código de 2.015 estabelece que está sujeita ao duplo grau de
jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a
sentença proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os
Municípios, suas respectivas autarquias e fundações de direito público, bem
assim a sentença que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à
execução fiscal. Com essa previsão, o artigo 496 impõe ao juiz o dever de
remeter os autos do processo ao tribunal competente quando sentenciar em
desfavor da Fazenda Pública, a fim de que seu pronunciamento seja revisado e,
se for o caso, confirmado pelo órgão judicial do segundo grau de jurisdição,
sem o que o julgado não poderá ser cumprido. Porque obrigatória, não sujeita a
contraditório e desvinculada dos pressupostos de admissibilidade dos recursos,
a remessa necessária não está compreendida no capítulo que o Código dedica a eles
e continua a ser tratada como uma condição de eficácia da sentença proferida
contra a Fazenda Pública. Ademais, diferentemente dos recursos, ela não está
vinculada ao apontamento de qualquer vício na sentença e é impulsionada
mediante um mero despacho com que o juiz ordena o encaminhamento dos autos ao
tribunal, após decidir eventuais embargos de declaração e oportunizar o
contraditório na apelação porventura interposta por algum legitimado. Contudo,
se o juiz omitir, retardar ou recusar a remessa dos autos nos casos previstos
no artigo 496, o presidente do respectivo
tribunal deverá avocá-los, o que fará de ofício ou assim que recepcionar a
petição intermediária com que a parte, o assistente, o "custos legis"
ou mesmo o terceiro prejudicado noticiar-lhe o fato (art. 496, § 1º). Aliás, o
exercício desse poder não afasta a responsabilidade civil do magistrado que
proceder com dolo ou fraude, assim também na hipótese de culpa pela recusa,
omissão ou retardamento, caso em que sua responsabilidade apenas será verificada
depois que o legitimado postular a mencionada remessa e o requerimento não for
apreciado no prazo de dez dias (art. 143). Seja como for, a remessa
necessária não tem qualquer relação de dependência com a apelação manejável por
aquele que experimentar algum prejuízo jurídico decorrente da sentença, além do
que ambas podem coexistir normalmente, o que obrigará o tribunal a decidi-las
na mesma sessão de julgamento. Embora a primeira parte do artigo 496
imponha a revisão obrigatória da sentença contrária à Fazenda Pública, nos
parágrafos 3º e 4º estão relacionadas várias situações em que ela é dispensada
para que o julgado possa ser efetivado. Com efeito, o § 3º desobriga a remessa
oficial quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de
valor certo e inferior a mil salários mínimos para União e as respectivas
autarquias e fundações de direito público; quinhentos salários mínimos para os
Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito
público, assim também para os Municípios que constituam capitais dos Estados;
cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e
fundações de direito público. Abandonando completamente o critério econômico
empregado no § 3º, o § 4º também repudia a remessa oficial quando a sentença
estiver fundada em súmula de tribunal superior; acórdão proferido pelo Supremo
Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos
repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas
repetitivas ou de assunção de competência; entendimento coincidente com
orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público,
consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa. Examinadas essas
previsões normativas, resta acrescentar que o artigo 496 não é o único
dispositivo que impõe ao juiz o dever de submeter sua sentença à revisão pelo
tribunal do segundo grau de jurisdição. Igual obrigatoriedade também existe
para a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação popular
(Lei nº 4.717/65, art. 19), que julgar procedente o pedido no mandado de
segurança (Lei nº 12.016/2009, art. 14, § 1º), que for contrária ao requerente
do cancelamento de matrícula e registro de imóvel rural vinculado a título nulo
de pleno direito (Lei nº 6.739/79, art. 3º, parágrafo único), que condenar o
Poder Público em ação visando ao reconhecimento de direito dos funcionários dos
serviços administrativos das câmaras do Congresso Nacional ou dos Tribunais
Federais (Lei nº 2.664/55, art. 1º, § 2º), que for proferida nos casos
estabelecidos nos artigos 3º e 4º da Lei nº 818/49 (que regula aquisição, a
perda e a requisição de nacionalidade, bem como a perda dos direitos
políticos), assim também para a sentença cautelar emitida contra pessoa
jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição
de vencimentos ou reclassificação funcional (Lei nº 8.437.92, art. 3º). Por
último, convém realçar que não existe a remessa necessária nos processos da competência
do Juizado Especial Federal (Lei nº 10.259/2001, art. 13) e do Juizado Especial
da Fazenda Pública (Lei nº 12.153/2009, art. 27), assim também que o relator do
recurso tem poder para decidi-la monocraticamente nos casos previstos pelos
incisos IV e V do artigo 945 (Súmula 253 do STJ) e que, ao julgá-la, é vedado
ao tribunal agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, entendimento esse
consagrado pela Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça na vigência do Código
de 1.973, mas que deve ser mantido sob a égide do Código de 2.015.
_________________
MACIEL, Daniel Baggio. A remessa
necessária no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto
é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
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