sábado, 3 de janeiro de 2015

A VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O princípio da vedação da reformatio in pejus é uma decorrência do princípio dispositivo, cuja acepção clássica defere às partes toda iniciativa relacionada à instauração e ao desenvolvimento do processo, o que inclui o poder para desistir da ação, deixar de alegar fatos que possam prejudicá-las no julgamento deste, restringir a atuação jurisdicional conforme o pedido formulado, não produzir provas além daquelas que são do seu interesse, prerrogativas essas que limitam sobremodo o espaço dentro do qual os órgãos judiciais podem se movimentar no processo, mas que se justificam parcialmente devido à necessidade de garantir a impartialidade com que os juízes e tribunais devem exercer suas funções, bem como a imparcialidade dos magistrados neles investidos. Antes mesmo da adoção do modelo social do processo, o princípio dispositivo já havia sofrido importantes mitigações pela legislação processual, pois a influência desmedida dele é capaz de enredar situações de iniquidade na composição das lides submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Tanto é assim que o artigo 2º do novo Código preocupou-se em reproduzir a fórmula encontrada no artigo 262 do Código de 1.973 e atribuiu ao juiz o poder para impulsionar a tramitação do processo, não obstante defira à parte a prerrogativa de promover-lhe o início mediante o ajuizamento da ação adequada. Outro relevante abrandamento do princípio dispositivo encontra-se no artigo 370 do novel estatuto, pois nele há a previsão de que cabe ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, razão pela qual o órgão judicial não permanece adstrito às provas pretendidas pelas partes e pode ordenar a produção de outras tendentes a revelar a verdade real. Apesar das restrições que sofreu ao longo do tempo, o princípio dispositivo ainda está presente em várias passagens do novo Código. A título de exemplo, o artigo 141 estabelece que o juiz decidirá o mérito do processo nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas e a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Por sua vez, o artigo 492 proíbe o juiz de proferir decisão de natureza diversa da pedida e de condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado, vedação essa que também se aplica aos tribunais, assim como a regra contida no artigo 141. Com essas considerações, fica claro que o exercício da atividade jurisdicional normalmente permanece subordinado à provocação da parte, que tem o poder de delimitar a atuação dos órgãos judiciais, conforme o pedido que apresentar. É exatamente daí que decorre a impossibilidade de o juiz ou tribunal decidir qualquer recurso de modo a agravar a situação jurídica do sucumbente recíproco que recorrer sozinho, pois a falta de pretensão recursal da parte oposta limita a operação do órgão judicial competente para o julgamento e atrai a proibição da reformatio in pejus. A propósito, sabe-se que as decisões judiciais podem impor derrotas simultâneas a ambas as partes, caso em que elas estão autorizadas a recorrer para tentar eliminar a prejuízo provocado pelo pronunciamento impugnado. Quando ambas manejarem recursos, o julgamento destes poderá acarretar a modificação da decisão recorrida para colocar qualquer dos recorrentes em uma situação jurídica mais vantajosa do que aquela em que ele se encontrava, do que decorrerá o natural agravamento da situação da parte contrária, sem que se possa falar na proibição da reformatio in pejus. No entanto, se houver sucumbência recíproca e apenas uma delas recorrer, o julgamento da respectiva pretensão não poderá piorar a situação jurídica do recorrente, mesmo porque a parte antagônica não formulou pedido recursal nesse sentido. Fala-se, pois, no princípio da vedação da reformatio in pejus. À guisa de exemplo, imagine uma ação de conhecimento em que o autor postule a condenação do réu ao pagamento de R$100.000,00 de indenização por danos materiais e que a sentença julgue parcialmente procedente o pedido inicial para impor ao demandado a obrigação de pagar R$50.000,00. Neste caso, se apenas o autor apelar da sentença, é vedado ao tribunal reduzir o valor arbitrado no primitivo julgamento, pois o réu se absteve de recorrer para tanto. Apesar de corresponder a um princípio fundamental dos recursos, a vedação da reformatio in pejus comporta exceção, pois há determinadas matérias que os órgãos judiciais estão autorizados a declarar independentemente de alegação, caso em que haverá o agravamento da situação jurídica do recorrente, mesmo sem recurso da parte contrária. As matérias que podem ser conhecidas de ofício são chamadas de ordem pública e estão ligadas às condições da ação, aos pressupostos processuais, aos requisitos de admissibilidade dos recursos, além da prescrição, da decadência e daquelas relacionadas no artigo 338, exceto a incompetência relativa. Portanto, também são matérias de ordem pública a inexistência ou a nulidade da citação, a incompetência absoluta, a incorreção do valor da causa, a inépcia da petição inicial, a perempção, a litispendência, a coisa julgada, a conexão, a incapacidade da parte, o defeito de representação, a falta de autorização, a ausência de legitimidade, de interesse processual, de caução ou de outra prestação que a lei exige com preliminar, assim também a concessão indevida do benefício da gratuidade da justiça, matérias essas que não se sujeitam à preclusão para o órgão julgador, em virtude do § 5º do artigo 337 e do § 3º do artigo 485. Por último, registre-se que a Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça, embora editada sob a égide do Código de 1.973, proíbe o tribunal de agravar a condenação da Fazenda Pública no julgamento da remessa necessária, que agora se acha prevista pelo artigo 496 do novo Código.
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MACIEL, Daniel Baggio. O princípio da vedação da reformatio in pejus no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito. Janeiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil. 

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