Em linhas gerais, pode-se dizer que há interesse recursal quando
houver a “necessidade” da utilização do recurso para alcançar a revisão de
algum pronunciamento jurisdicional que, pretensamente, estiver caracterizado
por um erro de julgamento ou de procedimento, obscuridade, contradição, omissão
ou algum erro material. Contudo, é importante frisar que o interesse recursal
não depende da existência concreta de qualquer desses vícios, mas sim da
verificação de algum deles sob a perspectiva do legitimado, que fundar o
recurso na falta de simetria entre a sua pretensão e o resultado da decisão, em
alguma nulidade capaz de impactar na validade dela, na ausência de clareza do
pronunciamento jurisdicional, na inserção de proposições inconciliáveis na
dicção dele, na abstenção do exame de algum ponto ou questão sobre a qual o
órgão julgador devia se pronunciar ou, então, em alguma imprecisão de grafia
cuja correção entenda necessária para evitar prejuízo. Embora sutil, essa
ressalva é importante para mostrar que o reconhecimento judicial da
inexistência concreta desses vícios não determina a inadmissão do recurso, mas
sim o desprovimento dele. Trata-se, pois, de um julgamento de mérito, não de um
pronunciamento sobre a admissibilidade do recurso, que se contenta com o apontamento
nuclear de qualquer das situações em referência. Em termos mais singelos, mas
sem embargo da orientação doutrinária que costuma associar o interesse recursal
à sucumbência, preferimos traduzir esse pressuposto de admissibilidade dos
recursos na “lesividade” gerada pela decisão judicial a quem figura como parte,
ao terceiro que detenha interesse jurídico no resultado do processo, ao
interesse ou ao sujeito cuja qualidade determinou a iniciativa ou a intervenção
processual do Ministério Público, à coletividade substituída em juízo por algum
legitimado extraordinário. A propósito, não há dúvida de que a existência da
sucumbência é indicativa da lesividade debitável à decisão judicial, mas é
imperioso observar que essa expressão é bem mais abrangente e compreende não só
a derrota no pronunciamento jurisdicional, mas também a nulidade da decisão, a
obscuridade, a contradição, a omissão e o erro material, pois todos esses
defeitos são capazes de desencadear algum tipo de prejuízo. Não fosse assim,
não seria possível explicar o interesse recursal do “parquet” nos processos em
que ele funciona como fiscal da ordem jurídica, afinal, nessa qualidade o
Ministério Público jamais é sucumbente. Do mesmo modo, não haveria como
justificar o interesse nos embargos de declaração, que podem ser opostos não só
pela parte sucumbente, mas também por aquela que sair vitoriosa no
pronunciamento jurisdicional, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério
Público, quer na qualidade de parte ou de “custos legis”. Além disso, há casos
em que mesmo a parte vitoriosa possui interesse na utilização do recurso para reformar o pronunciamento jurisdicional que lhe é dirigido. É o
que ocorre quando o fundamento aduzido na decisão for suscetível de causar
algum gravame ao vencedor, o que não ocorreria se o pronunciamento
jurisdicional viesse apoiado em fundamento diverso, tal qual a sentença que não
acolhe a alegação de pagamento nos embargos do devedor, mas que extingue a
execução de título extrajudicial em virtude do reconhecimento da prescrição
suscitada pelo embargante, caso em que o embargado pode retornar a juízo
mediante sucessiva ação cognitiva. No mais, é preciso acrescentar que apenas há
interesse recursal, na modalidade “necessidade”, quando a legislação processual
não disponibilizar ao legitimado outro meio mais singelo para contrastar a decisão
judicial e obter o resultado idêntico àquele que seria proporcionado pelo
recurso. A título de exemplo, não há interesse na utilização de recurso contra
a decisão que proclama a existência dos respectivos pressupostos de
admissibilidade e determina o processamento dele, pois o recorrido pode
questionar esse pronunciamento jurisdicional em sede de contrarrazões. É
exatamente por essa razão que o parágrafo 6º do artigo 1.007 torna irrecorrível
da decisão com a qual o relator relevar a pena de deserção e fixar prazo para a
efetivação do preparo, afinal, o recorrido pode suscitar essa questão em sua resposta recursal, oportunidade em que também lhe
é assegurado contrariar o motivo afirmado pelo recorrente para não haver
satisfeito esse pressuposto de admissibilidade no ato da interposição do
recurso.
______________
MACIEL, Daniel Baggio. O interesse recursal
no novo Código de Processo Civil. Página eletrônica Isto é Direito.
Fevereiro de 2015.
NOTA RELEVANTE: Este artigo foi composto segundo os dispositivos constantes
do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil.
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